Pensamento Linear x Pensamento Beta

Beta é quando um software está em desenvolvimento, portanto, passível de ocorrer bugs, pois está inacabado. Mas mesmo assim é lançado para que as pessoas possam interagir, usar, avaliar as funcionalidades e também dar feedbacks.

Quando decidi que iria me dedicar a criar uma rede social para mulheres empreendedoras, em maio de 2020, no auge de uma pandemia que me deixou isolada em outro país por meses a fio e longe da minha família; me propus a pensar e avaliar como daria conta desse novo desafio, porque ele exigia que eu questionasse meus próprios valores, desaprendesse algo para aprender outra coisa.

O conceito básico de uma startup é: uma empresa que nasce em torno de uma ideia diferente, escalável e em condições de extrema incerteza. (fonte: SEBRAE)

Para uma pessoa cartesiana como eu, com pensamento totalmente linear, era difícil imaginar criar algo sem saber onde vai chegar. Eu fui forjada no comércio. Essa era a minha linguagem: Comprar e Vender. Ou seja: há uma ação e um resultado claro e específico.

Mas quando se vivencia uma pandemia longe de todos, minha opção foi mergulhar nas leituras mais improváveis, e li um bocado sobre pensamento digital, startups, multidisciplinaridade. E para meu desespero, percebi que o pensamento digital é o oposto do meu, ou seja, não linear.

Segundo Tiago Mattos, no livro Vai Lá e Faz, “o mundo está não linear, conectado, multidisciplinar e exponencialmente imprevisível. Não linear porque os assuntos se misturam e se recombinam. Recebemos uma mensagem pelo WhatsApp, respondemos pelo Facebook, recebemos a tréplica por e-mail. Um artigo na timeline nos leva para um vídeo que nos leva para um livro que nos devolve novamente para o artigo – agora, em outro ponto.”

O autor ainda observa outro fato interessante: se o capítulo dois está chato, pulamos. Começamos uma coisa e terminamos em outra, sem necessariamente seguir uma ordem.

Eu precisei compreender mais sobre isso para conseguir aceitar criar uma rede social, que pasme, eu até hoje ainda não sei para onde vai. E aqui regresso ao termo Beta.

Quando começamos os testes na Donadelas, eu estava me sentindo estranha… por um motivo simples, eu não tinha ideia do resultado. Eu apresentava o projeto aos amigos próximos e a pergunta era a mesma: “onde você quer chegar, ou seja, como vai ganhar dinheiro com isso?”. E não ter essa resposta me afligiu por muito tempo (e continua me afligindo).

Mas ainda assim, consegui um investidor e a ideia saiu do papel e virou um projeto. Passei por momentos difíceis, e ainda vivencio isso, pois as pessoas comparam a Donadelas com outras redes sociais (que estão há 10, 20 anos operando), e me cobram funcionalidades semelhantes, além de me presentearem com uma série de críticas, sugestões e uns alguns elogios.

Quando decidi experenciar o pensamento Beta, estava ciente dessa sensação de frustração, porque a entrega nunca é definitiva. Quem vivencia isso sabe que a entrega de hoje é o melhor que podemos fazer com os recursos que temos hoje, então vem o feedback.

Amanhã trabalho para implantar esse feedback, aí aprendo mais um pouco, desaprendo, reaprendo, e começo tudo de novo.

A luta diária é sobretudo comigo mesma.

Percebi que nunca aprendi tanto, porque uma coisa é esperar a ideia ficar redonda para implantá-la (começo, meio e fim – pensamento linear), outra, muito diferente, é fazer sem tudo estar pronto, e refazer, aguardar os feedbacks, deletar uma parte, fazer de outra forma, testar novamente… (pensamento digital).

Eu achava que quando a Donadelas estivesse online, “pronta”, eu teria finalmente chegado ao resultado ideal. Isso é uma grande utopia. FAZER é a palavra-chave para vivenciar o pensamento Beta.

Eu não consigo prever todas as intenções da usuária quando lanço uma nova funcionalidade. Às vezes a funcionalidade é utilizada imediatamente, às vezes é ignorada e às vezes criticada. Lidar com isso é incrível, porque num mesmo dia, eu passo por momentos de extrema alegria e profunda tristeza.

Então é bom ou ruim adotar esse tal de pensamento Beta?

Hoje, quase dois anos após começar esse projeto e mergulhar nesse novo formato de pensamento e ação, posso dizer que é desafiador e ao mesmo tempo extraordinário. Nunca tive tanta certeza de que não estou certa! E isso me dá um direcionamento maior para a escuta das utilizadoras do meu serviço. Estou mais atenta, em modo permanente de alerta.

Acordo todos os dias com a percepção de que o trabalho está só começando. Porque é um dia novo, são novos problemas (ou problemas que já conheço mas ainda preciso testar outro formato de solução com os recursos que eu tenho), demorou tempo para eu aceitar esse modo de operar.

Mas não me vejo operando diferente no futuro, seja em qualquer ideia, projeto ou negócio que eu estiver à frente. Aprendi que a melhor forma de encontrar as soluções é com o sistema em movimento, é fazendo, e não planejando. Nesse sistema dinâmico, tenho milhares de mulheres contribuindo para a melhoria do projeto. E isso, por si só, é uma dádiva, um presente maravilhoso!

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