Ser mulher é ser!
Caras leitoras, a coluna de hoje é um delicioso memorial de como aprendi a ser mulher. Apresento aqui minha vó Antônia, a materna. Tenho mãos imensas, dedos com tamanho de anel de criança de tão finos, longos como de pianista, veias proeminentes e os dedos mindinhos tortos nas falanges. Cresci ouvindo que tinha as mãos dela. Feliz, dizia que o tempo ia ensinar nossas demais semelhanças e eu achava o máximo por isso e pela desenvoltura dela frente à nove filhos que criou praticamente sozinha, era viúva desde quando minha mãe, das mais velhas, era criança.
No pé da máquina de costura, seu sustento, passava a vida a limpo comigo, numa franqueza incomum com uma criança. Vovó ensinou a amar panelas e comidas caseiras, a respeitar e zelar pelas hortas e plantas, a mesa posta em sua simplicidade; porém farta de amor. Contou as metáforas do avesso perfeito nas roupas e na vida e a respeitar as pessoas em todas as suas nuances, elas são assim e pronto. Eu seria como o barro inacabado até o último suspiro. Promessa jurada de dedos mindinhos tortos em nossos cafés com bolo de fim de tarde.
Ensinou também que as coisas que não são bem feitas não precisam ser feitas, que a felicidade não é nada do que dizem , mas colocar amor no que somos e fazemos; se não souberem reconhecer, isso não seria problema meu.
Vovó tinha trilha sonora até para chegadas e partidas e, num dia solene como hoje, ouviria “Esta melodia”, por Paulinho da Viola. Não sabia ler muitas palavras, pois mulheres da sua época não tinham acesso à escola; mas me confessou certa vez que tinha se maravilhado com algo que ouviu sobre liberdade , em Dom Quixote. Décadas depois achei o trecho a que ela se referiu: “a liberdade, Sancho, é um dos mais preciosos dons que os homens receberam dos céus. Com ela não podem igualar-se os tesouros que a terra encerra ,nem que o mar cobre; pela liberdade, assim como pela honra, se pode e se deve aventurar a vida”.
Dizia que não tinha tempo para quem tomava os pés pelas mãos. Era “lenta” como eu; bem mais ácida. Foi a primeira pessoa que me disse que adultos também se enganam. Erram muito.
E, hoje é dia de festa onde quer que ela esteja. Uma centena de anos. Não há um dia em que me olhe e não a veja em mim. Não a veja em minhas mãos, que nas alegrias e nas incertezas, passo no rosto, as aperto uma contra a outra; penso no que me diria, no que faria.
Aprendi com ela que todo e qualquer sentimento sempre deve ser dito. O bom de sentir é dizer! Então, eu sou eu, porque sou vocês, porque somos nós, e somos muitas a honrar, velar, amparar. Feliz todo o dia nosso, mulheres!
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